Por Murilo Silva*
Há mais de duas semanas, o governador licenciado Luiz Henrique
da Silveira anunciou que em 28 de dezembro a Capital assistirá a um
grande espetáculo: o tenor italiano Andrea Bocelli, na Avenida Beira-Mar
Norte. Obrigado, senhor governador, “a gente não quer só comida, a
gente quer comida diversão e arte”, como já cantavam os Titãs na década
de 80. Com certeza, um evento magnífico. Quanto custará?
O cantor, hoje com 51 anos, perdeu a visão aos 12, após uma bolada na
cabeça, durante fatídica partida de futebol. Sua cegueira pareceu
acentuar ainda mais a bela voz, considerada sucessora de Luciano
Pavarotti. Em recente show realizado no Rio de Janeiro, para assistir a
Bocelli, os ingressos variavam de R$ 100 a R$ 1,2 mil. Mas, graças ao
governador catarinense, o povo nada pagará. Será mesmo?
Não sou tenor ou contratenor. Muito menos sou contra tenores. Apenas
questiono a vultosa - e voluptuosa - quantia de R$ 4 milhões, que
segundo alguns “sopranos” do palácio seria necessária para viabilizar o
espetáculo. O evento, que vem e vai como o vento, torna-se absurdo
diante da ausência de projetos perenes e necessários por toda Santa
Catarina, ainda mais quando considerada a relação custo-benefício.
Para se ter uma ideia do custo deste presente operístico do
governador, R$ 4 milhões é o valor gasto no carnaval de Florianópolis -
quatro vezes mais que o orçamento da Fundação Franklin Cascaes.
Portanto, um regalo muito caro, desmedido e injusto.
No aniversário da cidade, em 1996, uma multidão de pessoas ocupou as
ruas do centro para ver e ouvir a apresentação da Ópera O Guarani, de
Carlos Gomes, regida por Júlio Medaglia. Os prédios, sobrados,
escritórios, bancos e repartições públicas, transformaram-se em
camarotes. Até os troncos da velha figueira, na praça XV de Novembro,
serviram para aconchegar pessoas. Lembro do olhar atento de pessoas
muito simples, acotovelando-se para assistirem ao grande espetáculo.
Esse cenário foi a melhor resposta destruidora da opinião elitista de
que povo não gosta de ópera. Tudo isto por R$ 100 mil. Após 13 anos,
considerando o acumulado da inflação, ficaria em torno de R$ 235 mil.
Na ópera clássica e romântica, o tenor geralmente representa o herói,
em disputa com o vilão. Nunca soube de alguma ópera em que o vilão
fosse um homem dotado de espírito gentil e animador, tão comum entre os
antigos mecenas. Afinal, o ritmo do drama heróico não suportaria uma
vilania contraditória, assim tão generosa. O que sei, é que todo este
enredo operístico, com toda certeza, terminará em tragédia.
E por falar em mecenato, não quero ser ingrato, mas presentear de
forma generosa, onerosa e irresponsável, é cometer uma cruel
excentricidade. Como diria o povo, é o mesmo que dar com uma mão e tirar
com a outra.
*Murilo Silva, Presidente do Fórum Cultural de Florianópolis
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